O Evangelho segundo Jesus Cristo, de José Saramago
- MC.
- 19 de nov. de 2022
- 2 min de leitura

O sarcasmo de José Saramago é só incrível, e neste livro é tão óbvio que até dói! É certo e sabido que ele era ateu, mas se alguém tivesse dúvidas, rapidamente as esclareceria com esta leitura. Este foi um livro que quase 'reescreveu' a história do Cristianismo (à sua maneira), e que causou uma enorme polémica ao seu redor, causando o exílio 'voluntário' e simbólico por parte do autor, que viveu o resto da sua vida em Lanzarote.
As primeiras personagens com que nos deparamos são José e Maria, e é com surpresa (e uma certa risada) que vemos José descrito como um machista. Surpresa porque começa o livro logo a matar. É tomado como certo por ambas as partes que Maria tem um papel muito específico na sua vida, e não é de todo questionar José ou ter qualquer tipo de participação nas decisões que também a afetam. Ela existe para o servir e nada mais, é impura.
Começamos a acompanhar a vida de Maria e José e, quando este morre, passamos a acompanhar Jesus, e é com este que vemos Deus ser questionado em matérias várias. Jesus parte para longe da sua família para expurgar os pecados herdados do pai, sendo acompanhado por um Pastor que pergunta e ofende Deus em várias instâncias.
(...) não gostaria de me ver na pele de um deus que ao mesmo tempo guia a mão do punhal assassino e oferece a garganta que vai ser cortada (...).
Saramago faz-nos questionar constantemente o porquê de tantos homens, mulheres, crianças morrerem de forma tão atroz, ou terem uma vida tão sofrida, quando supostamente Deus deveria ser misericordioso.
Deus não dorme, um dia te punirá, Ainda bem que não dorme, dessa maneira evita os pesadelos do remorso (...).
De mãos dadas com o sarcasmo e a crítica, vemos também frases e pensamentos tão poéticos que nos mostram a sensibilidade e solidariedade com que Saramago encara o ser humano e a vida.
O que é que em nós sonha o que sonhamos, Porventura os sonhos são as lembranças que a alma tem do corpo (...).
Sem dúvida alguma que este livro passa a ser um dos meus preferidos do autor. É uma história genial, com um equilíbrio incrível entre o sarcasmo, a poesia, o riso, o choro, que dentro de todas as questões que coloca à religião, faz o leitor refletir sobre tantas questões de justiça e de princípios, que torna-se ele próprio um livro sobre a moral do ser humano.
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