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Naufrágio, de João Tordo

  • MC.
  • 4 de set. de 2022
  • 2 min de leitura

Atualizado: 12 de set. de 2022



Já li alguns (poucos) livros do João Tordo e este foi, sem dúvida, o mais irritante! Tive em mim várias irritações que foram mudando ao longo do livro, e que só desapareceram mesmo no fim. Sei que gostei do livro, mas ainda estou a processar até que ponto ou porquê, vamos ver se escrever me ajuda a entender…


Para aí durante metade do livro não consegui gostar da personagem. Esta foi uma das primeiras irritações: não propriamente por não gostar da personagem principal – até penso que pode ser interessante – mas porque é impossível dissociar a personagem do próprio João Tordo. O livro conta a história do escritor Jaime Toledo, um lobo solitário que escreve maioritariamente sobre mulheres, mas que não mantém uma relação com nenhuma. Chega aos sessenta anos passando a última década num bloqueio onde não escreve nem uma página, descobrindo que tem cancro e vendo-se no meio de um escândalo público que muda a sua vida para sempre. Este escândalo, que obriga a uma mudança radical de vida, é o que leva Toledo a refletir e lidar com a sua culpa e com o perdão (venha este das partes lesadas, dele próprio, ou de outra entidade qualquer). Vemo-lo despir-se de coisas materiais, não por inspiração ao minimalismo, mas por já ter desistido da vida, e aí percebe que talvez assim seja mais preenchido pelo que realmente importa.


Quanto mais coisas possuíamos, mais elas pareciam perder-se no esquecimento, ao passo que aquela espécie de despojamento trazia ao de cima o essencial.

Além de irmos acompanhando toda a alteração na vida deste escritor, vamos também lendo sobre o seu ofício, sobre os medos ou inseguranças que tem (tanto pessoais como profissionais), e é aí que julgamos estar a ouvir o João e não o Jaime. Será que é uma forma de o autor nos falar sobre o que sente? Espero que não inteiramente, porque há aqui alguns clichés que quero acreditar que não são reais.


E um escritor pode fazer isso, meter-se a si próprio num livro? Claro que pode, no fundo, é inevitável, se não estiver lá ele, quem é que haverá de estar?

E é com estas e muitas outas parecenças que começamos a questionar-nos se o autor será realmente como esta personagem. Sendo eu uma pessoa que gosta dos livros do João Tordo, claro que o imagino de uma certa forma, que não vai de todo ao encontro da maneira de ser da personagem (apesar de algumas coisas até baterem certo) – daí ser irritante! Mas enfim, vou continuar a acreditar que o João Tordo é um fofinho e que esta foi só uma forma de ele brincar com as palavras e com a perceção que as pessoas têm dele. Se calhar foi o que me fez gostar do livro (além de gostar muito da escrita a que João Tordo já nos habituou), este brincar com as ideias pré-concebidas que se pode ter de alguém e de nos tirar o tapete sob o pés quando achamos que sabemos tudo sobre uma pessoa (neste caso, da personagem) só para chegarmos ao fim e vermos que fomos enganados.

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