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Teatro: Catarina e a beleza de matar fascistas

  • MC
  • 13 de fev. de 2023
  • 3 min de leitura


Esta peça de teatro foi tão, tão boa que será aqui a estreia de publicação não relacionada com livros. Foi tão, tão boa que em vários momentos da peça me passou pela cabeça que adorava que houvesse um livro para poder rever toda a história outra vez. Portanto, Tiago Rodrigues, se estás a ler isto (vamos só fazer de conta, vale?), podes publicar o texto que tens quem o compre.


Esta peça conta a história de uma família que matava fascistas como tradição há já 70 anos, defendendo todas as mulheres que foram mortas por palavras diferidas por políticos que, de certa forma, defenderam a mão criminosa. No momento, Catarina ia ser iniciada neste ritual e ia matar o seu primeiro fascista, sendo assim um dia de festa e celebração. Mas qual traição familiar, Catarina não consegue cumprir a sua missão, por ser invadida pela dúvida. Será que o desejo de justiça justifica todas as mortes executadas pela família? Mesmo sendo mortes de fascistas que ativamente pioraram a vida a muitas pessoas - pessoas estas inseridas nas minorias?

Depois de um desenvolvimento incrível à volta desta premissa, a peça termina com o fascista em questão a discursar, um discurso de ditadura, em que as minorias não são de todo consideradas, um discurso de extrema direita que, infelizmente, é atual e existe. É neste momento que o público é chamado a intervir. As luzes da plateia acendem-se e, quer tenha sido incitado por alguém propositadamente ou não, começam a haver comentários no público cada vez mais zangados, sentindo-se uma necessidade de barulho que abafasse o discurso daquele homem.


Vamos por partes. Não houve momento algum de aborrecimento nesta peça. Pela sua inteligência, pelo interesse dos vários temas que aborda, mantém o público agarrado do início ao fim. Mistura assuntos muito sensíveis com uma bela punhada de humor e consegue (talvez tenha sido o mais importante, na minha opinião) provocar vários pensamentos e reflexões diferentes ao longo da peça. Em certo momento pensei que não havia esperança para o mundo, porque é impossível chegar a um consenso e conclusão. Temos que estar em constante argumentação para tentar que o outro lado (o da ditadura) não suplante o nosso (o dos que estão pela igualdade e liberdade), e não me parece que isso algum dia mude.


A parte final, do tal discurso, deixou-me extremamente desconfortável. A peça falava de política, e neste momento quase deixou de ser uma peça e passou a ser mesmo um momento político, de revolução misturado com um comício careta de extrema direita, onde o público passou a ter um papel muito ativo e vocal. E daí o meu desconforto: não foi provocado pelo discurso - infelizmente esse já não é novidade - mas sim pela reação das pessoas. Choveram assobios, vaias e gritos com um ódio cada vez maior para com o ator (sim, não podemos esquecer que não deixa de ser 'apenas' um ator). De repente, vi facilmente o jogo virar quando ouvi alguém na plateia gritar "Matem o fascista!". Quão fácil é, mesmo quando se fala em defender os direitos de todos, deixar que a justiça nos leve a cometer as mesmíssimas atrocidades de quem condena as minorias? Não se perde a moral assim? Ou certos fins, o 'bem maior', justificam todos os meios? Deixou-me realmente incomodada e arrepiada.


A arte pode ter muitos papéis e objetivos, mas um muito importante é pôr as pessoas a falar, a discutir assuntos polémicos, a refletir e ouvir as reflexões dos outros. É isto que nos permite questionar os nossos alicerces e mudá-los ou consolidá-los. Acredito verdadeiramente que é na conversa que estão as soluções e é essencial que se ponham os temas mais difíceis sobre a mesa. Este espetáculo teve esse papel. Fiquei dias a pensar no que lá se passou.


Para terminar falta só mencionar as partes mais 'práticas' que dizem respeito ao espetáculo que têm uma influência enorme na ambiência que se cria em palco. O texto de Tiago Rodrigues está fenomenal: como já disse, adorava poder lê-lo. Como os olhos também comem, não é possível passar sem dizer que toda a cenografia estava incrível. A estrutura que usaram para fazer de casa da família criou uma imagem muito bonita e muito versátil, por ser movida várias vezes ao longo da peça. Ainda mais especial se tornou com as luzes que entravam por ela adentro. Todo o trabalho de luzes, aliás, estava magnífico e, apesar de passar muitas vezes despercebido, é um elemento que faz toda a diferença num espetáculo. E as músicas! As músicas foram muito bem escolhidas.


Não vale a pena dizer mais nada. Voltava a ver o espetáculo uma e outra vez. Esta peça premiada foi estreada em 2020, continua um sucesso três anos depois, por isso pode ser que ainda tenha a possibilidade de a rever.



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